Terceira edição da Sustainable Gas Research Innovation confirma que CCS, CCUS, BECCS e outras tecnologias de sequestro, armazenamento ou aproveitamento de carbono são tendência mundial.
Os números do pré-sal desde a aprovação da lei 3.365/2016, que abriu as reservas para outras operadoras, apontam um futuro auspicioso: seis leilões já foram realizados desde o ano passado, totalizando uma arrecadação de R$ 27,95 bilhões em bônus de assinatura, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O país receberá cerca de R$ 300 bilhões em novos investimentos. As boas novas são extensivas à pesquisa já que, por lei, as operadoras de campos de óleo e gás no Brasil têm de investir em P&D.
Alguns resultados de investigações já em andamento, fruto desse investimento, foram apresentados durante a III Sustainable Gas Research Innovation, nos dias 25 e 26 de setembro, na USP, em São Paulo. A conferência é organizada anualmente pelo Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI) e pelo Sustainable Gas Institute (SGI), ligado ao Imperial College London. O evento foi incluído na programação do Ano Brasil – Reino Unido de Ciência e Inovação.
As pesquisas apontam que há oportunidades nas áreas de Carbon Capture and Storage (CCS) e de Carbon Capture Utilization and Storage (CCUS) para o Brasil. Sobretudo no contexto do pré-sal, que tem um gás natural muito rico em CO2. Tecnologias emergentes, como as de Bioenergy with Carbon Capture and Storage (BECCS) também são promissoras e representam chances para o país, que tem tradição e um enorme potencial em bioenergia. “O mundo tem um grande problema a resolver: as emissões de gases de efeito estufa, as mudanças climáticas e a transição energética. E, durante esses dois dias, mostraremos ideias para contribuir para a solução do problema. Crescemos muito desde o ano passado, quando lançamos nosso programa de abatimento de carbono, e estamos produzindo bastante em conjunto com o Imperial College”, disse na abertura do evento o diretor científico do RCGI, Júlio Meneghini.
“Estamos tentando endereçar uma variedade muito grande de problemas e nenhuma solução será única. Imagino que teremos situações em que a CCS é a solução, talvez até para a recuperação de solos, outras em que você pode utilizar o CO2 de formas mais eficientes: em estufas ou converter em um químico. Imagino que tenhamos de jogar com todas as cartas, em diferentes partes do mundo, em diferentes situações”, declarou David Torres, vice-presidente da área de gás e abatimento de carbono da Shell.
Este ano, a SGRI recebeu nove palestrantes de diversas instituições – entre elas a Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Petrobrás, a Shell, a Embrapii e o Centro de Energia e Recursos Ambientais da Universidade do Texas –, ofereceu quatro rodadas de sessões paralelas em que 45 projetos foram apresentados, e contou com três sessões de pôsteres. Cerca de 250 pesquisadores estiveram no evento, entre brasileiros e estrangeiros, além de representantes de empresas, de órgãos do governo brasileiro, da embaixada do Reino Unido, financiadores e estudantes.
“Penso que devemos olhar para o tamanho do setor energético. Mesmo se utilizássemos o CO2 de muitas formas, em termos de volume, a CCUS sozinha não daria conta. Portanto, sim, a CCUS tem um papel importante, mas não é a única solução. Há múltiplas soluções”, resumiu Rob Littel, diretor geral da área de tecnologia de abatimento de carbono da Shell. Ele apresentou um case de captura de carbono de uma planta de energia elétrica movida a biomassa para aplicação em estufas de agricultores nas proximidades de Viena, Áustria. Diversos cases de CCS e CCUS foram mostrados durante a conferência.
Adam Hawkes, codiretor do SGI, atentou para a forma como a transição energética está sendo encaminhada, e para o papel das renováveis e do gás no contexto do BAU – business as usual. “As renováveis estão crescendo muito, o gás também. Há um desafio de produzir tecnologias consistentes com a manutenção do aumento da temperatura da terra em 1,5ºC, 2,0ºC. Em minha opinião, no cenário atual, o BAU, é injustamente visto como vilão. Porque o BAU é, ele mesmo, a transição energética. Novas tecnologias estão sendo desenvolvidas, novas políticas estão sendo engendradas. O cenário atual inclui o crescimento das renováveis e a ascensão dos carros elétricos.”
Na perspectiva de Hawkes, há uma tendência em estudar as possibilidades do hidrogênio como fonte energética na Europa, o que reacende perspectivas para o gás natural no velho continente (já que a forma mais barata de obter hidrogênio atualmente é por meio de reforma a vapor do metano). Segundo ele, as emissões de metano são um tema que preocupa a indústria. “Eu acredito que, em alguns anos, o gás na Europa será “rotulado” de acordo com seu potencial emissor”, afirmou.
Além de Hawkes, participaram da mesa de abertura do evento o professor Júlio Meneghini; o secretário adjunto de Energia e Mineração de São Paulo, Ricardo Toledo; David Torres, da Shell, Emma Otta, representando o reitor da USP, Vahan Agopyan; Cindy Parker, da Embaixada Britânica; e Eduardo Krieger, vice-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Gás e biomassa – Para São Paulo, o contexto atual é particularmente propício: o estado já é o segundo maior produtor nacional de óleo e gás e, ao mesmo tempo, concentra o maior potencial de produção de biogás e bioenergia do Brasil por conta da indústria sucroalcooleira. O secretário adjunto de Energia e Mineração do governo estadual chamou a atenção para a importância do gás na garantia de uma matriz diversificada e limpa.
“O gás natural é uma maneira de desenvolver as fontes renováveis, porque é mais uma alternativa de fornecimento de energia, além da hídrica. Não podemos ter participação crescente de renováveis se não tivermos outra fonte para dar suporte ao sistema. Considerando a alta performance da energia elétrica de origem térmica, o gás é a melhor opção. Sem contar que estamos enfrentando imensos desafios por conta do estresse hídrico”, disse Toledo.
De acordo com a professora Virgínia Parente, economista e coordenadora de um dos projetos do RCGI, para que o gás desempenhe um papel mais interessante é preciso resolver problemas institucionais. “Estamos tendo um despacho grande nas termelétricas, na base, e isso está pressionando o preço da energia para cima. Mas isso acontece porque o modo como estamos contratando esse gás não está correto. Agora, em breve, os reservatórios não serão mais suficientes e teremos de ter mais contribuição das térmicas. É preciso resolver problemas institucionais, como a contratação do gás e o acesso aos gasodutos, por exemplo. Também é necessário ter em mente que os investimentos em energia têm vida útil maior do que a de qualquer governo. Portanto, a forma como tratamos os investidores é um fator chave.”
Participação da audiência – O público presente pode participar do painel realizado ao final do segundo dia de conferência, por meio de um site. Os presentes eram chamados a responder a algumas questões, como por exemplo, quais os desafios de implementação de iniciativas de CCS ou como acelerar a transição energética.
As respostas apareciam em tempo real nos telões do auditório. O painel final teve como debatedores os professores Júlio Meneghini, Virgínia Parente, Adam Hawkes e Suani Coelho, além de David Daniels, da U.S. Energy Information Administration. O evento foi apresentado e mediado pelo professor Gustavo Assi, diretor de comunicação e disseminação científica do RCGI.