No Brasil, aumento da produção de gás natural e redução pela metade da produção de bioenergéticos poderia preservar até 12,6 MHa de florestas
Aumentar a produção de gás natural e reduzir pela metade a produção de bioenergéticos pode preservar áreas florestais no Brasil, especialmente no Cerrado e na Amazônia. Esta é uma das conclusões de uma pesquisa do professor Ivan Garcia Kerdan, do Sustainable Gas Institute (SGI) e Departamento de Engenharia Química do Imperial College London, em conjunto com alguns colegas. Os resultados foram apresentados durante a III Sustainable Gas Research Innovation (SGRI), que aconteceu entre nos dias 25 e 26 de setembro, em São Paulo.Embora as vantagens da bioenergia sobre os combustíveis fósseis na redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) tenham sido demonstradas, a questão das mudanças indiretas no uso da terra (ILUC, na sigla em inglês) ainda é um desafio. Elas são consequências não intencionais da produção de bioenergia e ocorrem quando os agricultores decidem mudar do cultivo de alimentos ou da produção animal para as culturas energéticas. Como a demanda por alimentos permanece, as culturas alimentícias enfrentam a necessidade de mudança para novas terras, principalmente na fronteira das florestas, causando a liberação de grandes quantidades de carbono para a atmosfera. “O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de bioenergia e tem grandes reservas de óleo e de gás natural. Estudamos a dinâmica do setor agrícola e a competição entre bioenergia e gás natural no país, e suas consequências”, explicou ele. Segundo Garcia-Kerdan, boa parte dos atuais modelos de sistemas de energia (ESM) negligencia as implicações das transições tecnológicas operadas no setor agrícola para a contabilidade das emissões globais de GEEs.
“Em escala global, a participação do setor agrícola no consumo direto de energia é de 3% a 5%. As taxas de emissões de gases de efeito estufa diretamente conectadas a ele também são reduzidas: de 1% a 2% do total mundial. Entretanto, se forem consideradas as demandas por agrotóxicos e as mudanças no uso da terra decorrentes da expansão das culturas de bioenergéticos e do aumento da necessidade de alimentos, o setor agrícola é indiretamente responsável por até 30% das emissões globais de GEEs”, afirmou Garcia-Kerdan.
Ele e outros pesquisadores do Imperial College desenvolveram uma ferramenta chamada Agriculture and Land Use Sector Simulation Module (Ag&LU-SM), integrada ao ModUlar energy systems Simulation Environment (MUSE), também criado por um time do Sustainable Gas Institute (SGI) localizado no Imperial College. Usando o Brasil como caso de estudo, eles trabalharam com dois cenários hipotéticos: o primeiro prevê uma expansão na produção de bioenergéticos em 10 vezes até 2050, o que significa 6% de taxa de crescimento anual. O segundo cenário explora a expansão da produção de gás natural e a redução pela metade da produção de bioenergéticos (ou seja, uma taxa de crescimento anual de 3%). “Os resultados das simulações mostram que o desenvolvimento de mercados equilibrados de bioenergia e gás natural pode ajudar a limitar as taxas de expansão de cultivos energéticos preservando até 12,6 milhões de hectares de terras florestais, com benefícios significativos de emissões”, revelou Garcia-Kerdan.
O cientista afirmou, ainda, que o mercado doméstico de gás natural no Brasil deverá crescer a uma taxa anual média de 1,9% entre 2015 e 2030, e 0,7% entre 2030 e 2050. Regionalmente, o modelo mostra que a região Sudeste permanecerá como o maior consumidor de GN até 2050, chegando a 506 Picojoule/ano (1 joule é igual a 1011 pJ). No entanto, é a região Norte que experimentará o maior aumento no percentual total (155%), seguida pelo Centro-Oeste (70%), Nordeste (69%), Sul (66%), e Sudeste (42%).
Em termos de uso da terra, os resultados mostraram que a região Centro-Oeste, mais especificamente o bioma Cerrado, deverá experimentar o maior dinamismo em termos de mudança de uso da terra e aumento de novas culturas bioenergéticas. No entanto, o Sudeste continuará sendo o maior produtor de cana-de-açúcar e bioeletricidade do país.