Em vez de obter o hidrogênio para circular nas células, pesquisadores querem usar diretamente o gás natural nos dispositivos, poupando uma etapa do processo e barateando o custo.

Um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural (“Research Centre for Gas Innovation” – RCGI, na sigla em inglês) quer desenvolver uma célula de combustível que funcione diretamente com gás natural. O dispositivo foi originalmente criado para trabalhar com hidrogênio (H2) – o chamado “combustível do futuro”. Mas o hidrogênio não é um energético disponível na natureza. Ele tem de ser separado a partir de determinadas moléculas, como a do próprio gás natural ou a do etanol, por exemplo, ou ainda obtido por processos como a eletrólise da água.

“O grande problema da economia do hidrogênio é a disponibilidade do hidrogênio. Não porque não tenhamos tecnologia para obtê-lo, mas porque ainda é um processo caro. A forma mais barata de obtê-lo, hoje, é a partir do gás natural. Mais de 90% do hidrogênio produzido atualmente no mundo vem do gás natural”, afirma o físico Fabio Coral Fonseca, pesquisador do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e coordenador do projeto Advancing Fuel Cells for Operation on Natural Gas do RCGI. Ele e sua equipe, além de trabalharem aperfeiçoando dois tipos de células de combustível para que possam operar com hidrogênio menos “puro” (e mais barato), também têm como meta conceber um dispositivo que funcione diretamente com o gás natural.

“Os segredos tecnológicos estão na célula a combustível, que é um conversor de energia muito eficiente. Ela consegue converter eletroquimicamente o hidrogênio em eletricidade, sem passar por ciclos de carbono. Teoricamente, sua eficiência de conversão é de 83% (enquanto a de um motor a combustão fica entre 20% e 30%). O princípio eletroquímico é muito simples, conhecido há séculos: a reação entre hidrogênio e oxigênio, resultando em água e eletricidade. Mas, como toda tecnologia nova, a célula de combustível tem de ser aperfeiçoada.” Basicamente, segundo Fonseca, é preciso criar dispositivos mais duráveis e mais baratos.

Células de combustível – O físico e sua equipe trabalham com dois tipos de célula de combustível: as poliméricas (ou de baixa temperatura) e as cerâmicas (ou de alta temperatura). As células poliméricas são formadas por dois eletrodos – na verdade nanopartículas de metais (geralmente à base de platina), ancoradas em carbono. Separando estes eletrodos, um polímero transparente faz as vezes de eletrólito, com habilidade de conduzir íons H+ e fazer com que os elétrons circulem pelo circuito externo, gerando eletricidade. As células poliméricas operam a, no máximo, 80º C.

Já na célula cerâmica, o eletrólito é o óxido de zircônio (ZrO2) estabilizado com óxido de ítrio (Y2O3). O conjunto é igual ao da célula polimérica: eletrodos (anodo e catodo) depositados em camadas separadas pelo eletrólito. A célula cerâmica pode operar em temperaturas até mil graus Celsius. “Trabalhando em alta temperatura, as reações ocorrem mais rapidamente, e não há necessidade de metais tão preciosos, quanto a platina, para formar o eletrodo. Por outro lado, também ocorrem reações indesejadas. E, por isso, há problemas de durabilidade.” As células cerâmicas, ao contrário das poliméricas, toleram a presença do monóxido de carbono (CO), mas podem formar depósitos de carbono no anodo e assim a vida útil do dispositivo cai.

Para gerar corrente e potência, as células de combustível – tanto poliméricas quanto cerâmicas – têm de ser empilhadas dentro de um compartimento no qual, de um lado, circula hidrogênio e, do outro, oxigênio. Aperfeiçoando as células, o grupo do IPEN quer obter dispositivos que funcionem diretamente com gás natural. “Estamos estudando e testando novos materiais, novas estratégias para que possamos usar gás natural direto nessa célula, sem que se formem depósitos de carbono.”

Segundo ele não existe, no Brasil, tecnologia para operar uma célula de combustível a partir do gás natural. “Nunca operamos uma célula com gás natural e o RCGI vai ser muito importante para nós nesse sentido. É bastante audacioso tentarmos criar eletrocatalisadores para fazer a oxidação direta do metano, mas, para isso, precisamos de materiais que ninguém no mundo tem.”

No caso das células cerâmicas, a equipe opera células a combustível pequenas, testando materiais e conceitos. Os dispositivos que seriam usados “na vida real” têm mais de dez vezes o tamanho da célula confeccionada por Fonseca e sua equipe para estudos. “Creio que daqui a cinco anos teremos conseguido fazer essa célula pequena funcionar diretamente a gás natural, com os materiais mais adequados para isso. Agora, passar de uma célula pequena para uma grande é um grande salto tecnológico e exige investimentos de outra ordem de grandeza.”