A rota é promissora, mas é preciso tempo para o desenvolvimento de uma tecnologia de aproveitamento energético realmente viável. Assunto foi destaque em evento do RCGI, em São Paulo.
É muito mais barato capturar e estocar o dióxido de carbono (CO2) gerado por biomassa do que o carbono oriundo de fontes fósseis. A diferença entre a Carbon Capture and Storage (CCS) feita a partir de biomassa daquela realizada a partir de fósseis pode chegar de USD 90,00 por tonelada de carbono. Essa estimativa foi apresentada pelo diretor de ciência do Energy Research Centre of the Netherlands (ECN), Andre Faaij, durante o workshop “Carbon Capture, Storage and Use and Bioenergy”, que aconteceu nos dias 25 e 26 de fevereiro, no Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), em São Paulo. Além disso, a tecnologia de CCS aplicada à biomassa, dizem os experts, gera emissão negativa.
Realizado pelo Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI), em parceria com o Consulado Geral da Holanda no Brasil, o evento reuniu especialistas do Brasil e da Holanda para discutir as perspectivas da aplicação das tecnologias BECCS (Bioenergy with CCCS). Além do diretor científico do RCGI, Julio Meneghini; da consulesa holandesa para Ciência, Tecnologia e Inovação, Petra Smits; e do secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente do estado de São Paulo, Marcos Penido; estiveram presentes no evento representantes da Shell, USP e da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp).
Custo na prática – Segundo Faaij, na Europa, as primeiras iniciativas de CCS começaram há dez anos, para capturar o CO2 de gases emitidos por termelétricas movidas a carvão ou gás natural. “A porcentagem de CO2 era de 5%, 6%, o que exigia um investimento grande para fazer o processo de concentração e absorção do carbono. A conta era alta, algo como cem dólares por tonelada, talvez um pouco menos se o processo fosse mais eficiente”, disse.
“Agora, se olharmos para os processos fundamentais de conversão de biomassa na geração de energia, como a fermentação, por exemplo, veremos que as usinas entregam CO2 puro como bioproduto das reações. Assim, só é necessário capturar e comprimir. Toda a energia e a engenharia do processo é simplificada e pode-se chegar a um custo de, talvez, dez dólares por tonelada”, acrescentou.
De acordo com Faaij, os modelos usados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) para simular esses custos são macro modelos, com input limitado de detalhes, o que é compreensível, pois são modelos globais. Pela conta do IPCC, o custo estaria na casa de USD 135 a USD 5.500 por tonelada em 2030. “Considerando todo o portfólio de opções de mitigação – as renováveis, as medidas de eficiência energética, os novos processos, os carros do futuro – percebe-se que há muito a fazer, mas também que boa parte do potencial de mitigação pode ser realizada com um custo abaixo do valor de cem dólares por tonelada”, afirmou.
Faaij também listou as principais aplicações que as BECCS teriam na indústria e na produção de energia. “Processos de produção de energia com combustível ‘flex’, como plantas térmicas movidas a carvão e/ou gás; plantas produtoras de combustíveis sintéticos, processos baseados em fermentação e digestão anaeróbia, biorefinarias, petroquímicas, a indústria alimentícia – em todos esses setores as BECCS seriam bem-vindas. Mas é necessário ter instalações de estocagem a menos de 300 quilômetros, infraestrutura energética compatível e sistemas complexos de larga escala para estocagem.”
Rota promissora – Outra vantagem apontada pelos especialistas é que capturar o carbono gerado por biomassa e estocá-lo resulta em emissões negativas – pois as emissões geradas por esses energéticos já seriam neutralizadas pela própria natureza dos recursos, que são renováveis. “A Holanda precisa da emissão negativa para alcançar a meta de reduzir em 95% suas emissões de gases-estufa até 2050 e a produção de biocombustíveis com CCS parece ser uma das rotas mais baratas e promissoras”, afirmou Martin Junginger, do Copernicus Institute, na Utrecht University.
Ele ressaltou que o mix de opções aventado pela indústria em seu país para reduzir emissões em suas plantas inclui medidas de eficiência energética; processos power-to-heat; fontes renováveis para gerar calor, como a energia geotérmica e a biomassa; hidrogênio e CCS.
Prova de viabilidade – Para o professor Sacha Kersten, da Universidade de Twente, é preciso tempo para o desenvolvimento de uma tecnologia de aproveitamento energético realmente viável. “Até que ela tenha uma participação relevante no mix de energias utilizadas pelo país e pelo globo demora um pouco: foi assim com o uso do carvão e do petróleo e está sendo assim com as energias renováveis como solar, eólica e biomassa.”
Expert em conversão de biomassa, Kersten focou em sua apresentação os processos de gaseificação, liquefação, pirólise, produção de bioquímicos e biomateriais, fotossíntese artificial e captura de carbono. “A gaseificação pode ser aplicada à biomassa líquida – como óleos, glicerol, solução de açúcar e algas – ou sólida, como madeira, para obtenção de gases combustíveis, gás de síntese e bioquímicos”, explicou o professor.
Ele destacou, ainda, a importância de moléculas simples como o metanol, que tem ampla aplicação na indústria e pode ser obtido de biomassa. Mas chamou a atenção para uma etapa de purificação necessária para a obtenção de produtos de boa qualidade oriundos dessa fonte renovável. “Muitos produtos da conversão de biomassa apresentam contaminantes, já que ela é um composto de vários elementos. Isso acarreta a necessidade de etapas de purificação, encarecendo o processo.”
CCS no pré-sal – No encontro, os pesquisadores também falaram sobre percepção pública de projetos de CCS e sobre as perspectivas para a realização de captura e armazenamento de carbono tendo em vista os campos do pré-sal. “O pré-sal tem metas ambiciosas de produção e vem de fato aumentando a produtividade a cada ano. Há grande quantidade de gás natural associado, muitas vezes com alto teor de CO2, em um ambiente bastante distante da costa. Nesses casos, as plataformas flutuantes existentes poderiam ser usadas como oportunidades de teste e demonstração tecnológica in situ”, sugeriu o professor Pacelli Zitha, da Delft University.
Ele citou o malogrado projeto de Barendrecht, a primeira tentativa holandesa de estocar carbono onshore, rejeitada pela comunidade local e abortada por esse motivo. “Não se levou em conta a opinião da população local e esse foi o grande erro. O projeto era tecnologicamente bom, e foi uma boa oportunidade de aprendizado. A posição do governo holandês hoje é de que, primeiro, vamos testar offshore. Há mais dois projetos em curso nesse sentido: um no Mar do Norte, em um campo denominado K-12B; e outro em um campo offshore denominado P-18-4, em uma província ao sul da Holanda.”
Para Hans Bolscher, da Trinomics Consultoria, a CCS tem muitos inimigos e poucos amigos. Citando Abrahan Linclon, Bolscher afirmou que a maneira mais eficiente de vencer essa resistência é transformar os inimigos em amigos. “Há muito mais simpatia pela CCU – Carbon Capture and Utilization – do que pela CCS. Os argumentos são muitos e temos de ouvi-los. Primeiro, as pessoas acham que a CCS está mantendo viva a indústria dos fósseis, e é verdade. Segundo, elas pensam que a CCS é financiada pela indústria do petróleo, e estão certas. Também acham que, primeiro, devemos cuidar de eficiência energética e de implantar mais opções renováveis. E não estão erradas. Mas sabemos que a CCS é parte da solução para as emissões de GEEs. Entretanto, não se pode esperar simpatia pela CCS. Se conseguirmos aceitação já é um grande negócio.”
No caso do Brasil, a percepção pública sobre o assunto é praticamente zero, como mostrou o professor George Câmara, da Universidade Federal da Bahia. “Fizemos uma pesquisa sobre CCS no interior da Bahia, onde a indústria petrolífera existe há mais de 70 anos, e as pessoas não tinham ideia do que se tratava. Mas quando falávamos de geração de emprego, ou de benfeitorias que porventura possam vir a reboque da indústria do petróleo, elas entendiam, porque tiveram essa experiência com a Petrobrás”, resumiu o professor George Câmara, da Universidade Federal da Bahia.
Vocação para renováveis – O potencial do Brasil na produção de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, foi destacado diversas vezes durante o encontro. O diretor da consultoria Datagro, Guilherme Nastari, por exemplo, frisou a importância do RenovaBio para o setor de transportes no Brasil. Exibindo um gráfico da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva, também afirmou que os veículos flex e híbridos movidos a etanol emitem menos do que os veículos elétricos que não são 100% alimentados com energia de fontes renováveis. “O etanol é uma opção moderna e eficiente para mitigar emissões nos transportes.”
Já a professora Celma Ribeiro, da Escola Politécnica da USP, que trabalha com modelagem no RCGI, traçou uma linha do tempo das políticas brasileiras para o etanol e falou sobre a complexidade do mix de produtos da indústria sucro energética no Brasil, como açúcar, etanol, cachaça, eletricidade, papel, biogás, plástico, químicos, ração animal etc. “A escolha do que será produzido, já no início da safra, depende de fatores econômicos, mudanças na demanda, alterações nos preços e também de políticas públicas”, resumiu.
“Há muita coisa que se pode fazer com biomassa, mas é preciso escolher uma estratégia, porque não se pode fazer tudo ao mesmo tempo. No Brasil sempre usamos o bagaço para gerar eletricidade e fazer cogeração, mas ele também pode ser usado para gerar outros produtos. Não há matéria-prima para tanto; assim, é preciso escolher”, resumiu a professora Suani Coelho, do IIE/USP, que liderou a organização desse evento. A pesquisadora é coordenadora de um grupo de pesquisa do RCGI que busca estimar o potencial do biometano para aumentar a oferta de gás natural no Estado de São Paulo.
Crédito: Pixabay/CC