Redução de emissões de metano, separação do CO2, destino de hidrocarbonetos são alguns dos desafios que precisarão ser enfrentados.
Enquanto que no Brasil o desafio é o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem explorar os 500 bilhões de m³ das nossas reservas de gás natural, sem concorrer com as fontes de energias renováveis, na China os gargalos são o preço alto e a infraestrutura que precisa ser otimizada para alavancar a demanda do gás. Nos Estados Unidos, a questão principal é o excesso do recurso e como transformá-lo em produtos de alto valor agregado. Já na Inglaterra o desafio é gerenciar o declínio do gás, com a perspectiva de aproveitar a infraestrutura existente para transportar hidrogênio, por exemplo.
Essas foram algumas das conclusões de uma mesa-redonda realizada com especialistas desses quatro países durante a Sustainable Gas Research & Innovation Conference, no final de setembro, em São Paulo. O evento foi promovido pelo RCGI – Research Centre for Gas Innovation (Centro de Pesquisa em Inovação em Gás), do Brasil, e pelo Sustainable Gas Institute (SGI), da Inglaterra. Em um cenário de redução de GEE e ascensão da oferta do gás natural, eles traçaram um panorama de possibilidades e limites para o uso do gás natural em seus países.
Uma oportunidade, vários desafios – Para Júlio Meneghini, diretor acadêmico do RCGI, a questão principal é trabalhar o gás natural em conjunto com fontes renováveis de energia, e deixar de encarar essa fonte de energia como um problema que vem embutido na exploração do petróleo.
Ele lembrou que, com a entrada em operação do pré-sal, o Brasil passou a ter acesso a grandes quantidades de gás natural associado ao petróleo, mas faltou estratégia para lidar com o recurso. “Temos de reverter essa visão de que o gás natural é ‘um problema’ para o pré-sal, que foi a visão da Petrobrás nos últimos anos. “Temos de encarar esse desafio como encaramos, há 25 anos, a exploração offshore em águas profundas, hoje motivo de orgulho para a Petrobrás, uma das líderes em tecnologia de exploração em profundidade”, destacou Meneghini.
E o caminho para isso é apostar em inovações. Segundo ele, há diversos desafios que precisam ser superados e sobre os quais o RCGI vem trabalhando. Como, por exemplo, a quantidade de CO2 encontrada no gás natural em alguns campos do pré-sal. Há poços em que o gás natural que sai não contém os convencionais 20% de CO2, contém 50%. É quase como o biogás.
“Então a questão é se vale a pena purificar esse gás para que tenhamos apenas metano e possamos transportá-lo para o continente por meio de dutos, ou se é melhor queimá-lo em dispositivos offshore e usar a tecnologia de captura e armazenamento de carbono para gerar energia elétrica com zero de emissão de CO2. Quanto custa cada uma e o que é melhor? São essas as questões que nós, do RCGI, juntamente com o SGI e outras instituições de pesquisa, estaremos tentando solucionar nos próximos cinco anos.”
O assistente-executivo do Secretário de Energia do Estado de São Paulo, Dirceu Abrahão, compartilha deste ponto de vista. “Estamos esperando que os grandes volumes de gás que temos no Brasil, principalmente no pré-sal, estimulem a inovação. Porque o grande desafio é que esse gás está a 7 mil metros de profundidade. São plantas caras, a aproximadamente 3 mil metros de profundidade, que têm de separar grandes quantidades de CO2 e H2S. Mas são desafios estimulantes, pela tecnologia e a inovação que deverão promover para viabilizar o modelo”, acrescentou
Atualmente, o Brasil tem cerca de 500 bilhões de metros cúbicos de reservas provadas de gás natural. A pesar deste potencial, o País é um dos cinco grandes importadores de gás natural liquefeito (LNG) da América Latina. O aumento da produção brasileira via pré-sal aponta para uma redução da dependência de LNG importado nos próximos anos.
Caminho sem volta – Na China, dois terços da energia primária usada ainda vêm do carvão. O gás natural é uma das alternativas para ajudar o país a cumprir as metas de redução da GEEs. “Fizemos uma promessa séria de corte de emissões em Paris: aumentar nossas fontes de energia não fósseis em 15% até o ano 2020 e em 30% até 2030. O gás natural está crescendo e seu papel em substituir o carvão é importante para nós. Hoje, sua participação na matriz é de menos de 6%, mas pretendemos aumentá-la para 10% em cinco anos”, disse o professor Zheng Li, do Departamento de Energia Térmica da Tsinghua University.
Há muitas oportunidades na China para o gás natural, segundo Li, mas também empecilhos, tanto institucionais quanto de infraestrutura. “No setor de transportes já temos mais de 200 mil veículos movidos a LNG e a demanda deve aumentar, porque precisamos controlar a poluição atmosférica”, exemplificou. Um dos empecilhos é a questão do preço. A demanda de gás natural vinha aumentando 16% por ano, mas, entre 2014 e 2015 esse aumento foi atenuado (3,7%) por conta do alto preço do gás natural. “Quem controla o preço do gás é o Estado; é necessária uma reforma na formação do preço para aumentar a competitividade econômica da China, viabilizar os custos internos, tornar os investimentos no setor atrativos e aumentar o uso do recurso”, resumiu.
Ele ressaltou que o preço do gás natural é mais alto para o setor industrial do que para o uso doméstico, o que dificulta sua utilização pela indústria. Outra questão fundamental é a infraestrutura. “Um exemplo: não há estocagem de gás na China e a diferença de demanda entre o inverno e o verão é muito grande. Então também precisamos de uma reforma na indústria de óleo e gás. Em síntese: a China precisa do gás natural e ele vai desempenhar um papel importante no futuro, mas a curto prazo há muitos problemas institucionais. Portanto a reforma na formulação do preço e na indústria de óleo e gás são pontos críticos para o uso do gás natural em meu país.”
Abundância é o problema – Nos Estados Unidos (EUA), a grande questão é a abundância do recurso, puxada pelas contínuas descobertas de reservas de gás de xisto e suas consequências, tanto econômicas quanto estratégicas. “Do lado da oferta, há muito gás nos EUA. E toda vez que procuramos, achamos mais. Sem contar que o preço do gás natural é endógeno ao modelo de exploração, e o preço do óleo é exógeno. Enquanto este último pode ir de US$ 125 a US$ 40, o preço do gás natural fica em mais ou menos US$ 5 o MMBTU, e nunca sobe, porque continuamos produzindo mais”, resume David Daniels, chefe de modelagem da Energy Information Administration (EIA).
Do lado da demanda, segundo ele, dois setores conduzem o consumo de gás no país: transporte e geração de energia. “No transporte, a EIA não vê uma transição em larga escala para o gás natural. Já na geração de energia, o gás natural está crescendo em praticamente todas as regiões do mundo.”
De acordo com Daniels, nos países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o uso do gás natural cresce, assim como o uso das renováveis, e o consumo de energia permanece estável. “Nos países que não são da OCDE, a demanda por energia está aumentando, por conta do rápido crescimento econômico, as renováveis estão crescendo, o gás natural está crescendo e o uso carvão continua no mesmo patamar.”
Entretanto, segundo ele, o preço do transporte do gás natural, por via naval, é muito alto. Para se ter uma ideia, transportar petróleo pelo mundo, de navio, custa mais ou menos US$ 2 por barril. Transportar gás natural pode chegar a US$ 10 por MMBTU. “Podemos exportar por dutos para os países vizinhos como México, Canadá…. Mas o Canadá tem muito gás também e o México tem reservas que está tentando desenvolver. Ou seja: a América do Norte tem muito gás.”
Uma das consequências da abundância do recurso é a superoferta de outros hidrocarbonetos encontrados junto com ele, como o etano. “As taxas de crescimento do etano nos EUA têm sido mais significativas, nos últimos 10 anos, do que as de crescimento do próprio gás natural”, revela David Allen, diretor do Center for Energy and Environmental Resources da Universidade do Texas. Segundo ele, há muito etano.
“Os EUA usam o etano para manufaturar químicos, e também produtos como plástico, por exemplo. Mas já saturamos o mercado de etano nos EUA para manufatura de químicos. Passamos a exportar etano para a Europa. Mas daqui a pouco esse mercado também estará saturado porque, comparado ao mercado de gás natural, o mercado de etano é pequeno.”
Segundo Allen, é preciso encontrar meios de transformar o etano em produtos de alta demanda. “A boa notícia é que o craqueamento do etano é muito mais fácil do que o do metano. Mas temos de ver em que escala faremos isso. Ouvimos muito, durante a Conferência, sobre procedimentos em águas profundas, bem ao lado do poço. É isso que vamos fazer com todo esse etano? Ou vamos construir mais fábricas de químicos pelo globo, em lugares como Houston e Texas? Essa é a grande questão. E minha predição me diz que iremos ver inovações radicais na área dos líquidos do gás natural, como são chamados esses compostos, particularmente na área do etano.”
Outro desafio são as emissões de metano. “Para baixar a pegada de emissão de GEEs do sistema de gás natural, a emissão de metano precisa ser reduzida. Nos EUA, uma pequena fração das fontes, que nós estamos começando a chamar de super emissoras, são responsáveis pela maior parte das emissões. O desafio é encontrá-las: é dificílimo. O que estamos estudando agora é como, efetivamente, encontras as super emissoras de metano, rapidamente e com o mínimo possível de custos. Por isso, também são esperadas grandes inovações nessa área nos próximos cinco anos, que devem baixar muito a pegada de GHGs do gás natural.”
Gerenciando o declínio – No Reino Unido, ao contrário da China, o espaço para o crescimento do uso do gás natural é pequeno, segundo Jim Watson, diretor de pesquisa do UK Energy Research Centre. “Estamos mudando do carvão para o gás natural desde os anos 70: nos serviços, na indústria, nas residências…. Há pouco mais a fazer, talvez na área de transportes, mas o papel do gás já está em declínio há cerca de dez anos.”
Segundo ele, o maior desafio do País é gerenciar o declínio. “Um dos desafios é manter viva e aberta a estrutura que leva o gás para as residências e indústrias, conforme usamos menos e menos. Porque algumas dessas redes podem ser usadas de novo, por exemplo, para distribuir hidrogênio. Essa é uma questão importante para os tomadores de decisão, gestores, reguladores, indústrias….”
Embora uso do gás natural venha perdendo terreno, Watson destacou que, no setor energético, o gás claramente tem o papel de fazer o balanceamento junto às renováveis para manter a segurança do abastecimento. “Mas há diversas maneiras de combinar essas tecnologias. Mais interconexões, ou mais capacidade de armazenamento de gás, por exemplo… A questão da integração e do crescimento do uso das renováveis passa por uma variedade de tecnologias e diversas estratégias, além do uso de plantas convencionais.” Outra oportunidade, segundo ele, é adotar o gás em um sistema de aquecimento de baixo carbono nos países em que, a exemplo do Reino Unido, seja preciso usar muito aquecimento no inverno.
Watson também afirmou que, apesar da necessidade premente por inovações via iniciativas de pesquisa e desenvolvimento, muitas das tecnologias que serão usadas para alcançar as metas climáticas já existem. “Não é somente uma questão de encontrar novos breakthroughs mas, em muitos casos, de reduzir os custos e de demonstrar a viabilidade de tecnologias que já temos. Porque a história nos mostra que o desenvolvimento de novas tecnologias e sua inserção no mercado leva bastante tempo. Por isso, acho que é aí que muitas respostas estarão.”