“Vender” CO2 abatido da atmosfera em forma de outros combustíveis ou de insumos químicos para a indústria pode mudar nossa visão sobre o carbono e ajudar reduzir emissões.
Uma das tendências das tecnologias de abatimento de carbono atuais é converter o CO2 em produtos que possam ser utilizados novamente, o que é chamado de Carbon Capture and Utilization (CCU). Diversos projetos do Fapesp Shell Reserach Centre for Gas Innovation (RCGI) têm esse objetivo. Eles visam, por exemplo, a obtenção de produtos de valor agregado a partir da hidrogenação do CO2; ou retirar o CO2 da atmosfera por meio de uma célula de fotocatálise e transformá-lo em um produto orgânico útil para a indústria; ou ainda integrar centrais termoelétricas com tecnologias de conversão de CO2 para mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEEs). Pesquisadores do RCGI já listaram mais de 140 produtos que podem ser obtidos com base em CO2.
Conforme explica o químico Pedro Vidinha, um dos cientistas do time do RCGI envolvido em um projeto de CCU, há muitas vantagens em iniciativas deste tipo e o êxito dessas tecnologias tem potencial para mudar os rumos de nossa política ambiental.
“Em minha opinião, se conseguirmos produtos originados do CO2 com um balanço econômico e energético positivo, será possível ganhar dinheiro com isso e, então, as políticas ambientais com relação ao CO2 poderão mudar. Com a existência de tecnologia prática para abater carbono, quem detiver essas tecnologias vai forçar os que não têm a pagar cotas de emissão de CO2. Mas imagino que o horizonte dessas mudanças seja de uns 20 anos, a partir de agora”, afirma.
Segundo ele, há dois caminhos para o aproveitamento do CO2: gerar combustíveis ou gerar químicos. No caso dos combustíveis, fecha-se o ciclo do carbono (pois eles serão queimados novamente, e o CO2 será recapturado, e assim por diante). No caso dos químicos, é preciso chegar a substâncias para as quais exista demanda na indústria como, por exemplo, a ureia. “O mundo já produz 150 milhões de toneladas de ureia por ano. Hoje, é o produto obtido em maior quantidade a partir do CO2. Se acontecesse um aumento no consumo de ureia e começássemos a produzir mais, a quantidade de CO2 abatido seria colossal.” A ureia é um insumo utilizado na fabricação de fertilizantes nitrogenados e plástico, entre outras coisas.
Junto a uma equipe de oito pesquisadores, Vidinha está tentando reduzir o CO2 e obter alcoóis como o metanol, o etanol e até o butanol, com o uso de hidrogênio como reagente e de catalisadores bastante eficazes, compostos de metal e ligantes orgânicos.
“Já conseguimos produzir butanol, o que é fantástico, pois, neste caso, passamos de uma substância com um átomo de carbono (CO2) para uma com quatro átomos de carbono (C4H10O). Aumentamos a densidade de energia na molécula, pois quanto mais carbono, mais energia acumulada.”
Segundo ele, o butanol tem muitas aplicações: é o que se chama de builiding block, um bloco de construção de outras moléculas. “É possível, por exemplo, obter buteno a partir dele, um processo industrial já estabelecido. Conseguindo chegar ao butanol a partir do CO2 pode-se pensar numa indústria de polímeros à base de CO2”, completa.
Diferencial – Vidinha explica que a maioria dos processos que visa o aproveitamento do CO2 implica em utilização de altas temperaturas, mas ele e sua equipe conseguem produzir metanol, etanol e butanol praticamente à temperatura ambiente.
“No estado da arte atual, o processo em mais baixa temperatura que vi exigia entre 150o C e 180o C. O que já é bom, pois são temperaturas que podem ser atingidas usando o calor resultante de outro processo industrial. Ou seja: esta planta de conversão de CO2 poderia ser colocada em outra indústria, reaproveitando o calor da primeira. Nos nossos processos, definimos que trabalharíamos com uma temperatura de 40o C. Então, desenvolvemos catalisadores que nos permitem reagir CO2 com H2 para obter metanol, etanol e butanol, a 40o C.”
Entretanto, os metais usados pela equipe para fazer os catalisadores são caros, quando não, raros. “Usamos o irídio e o ródio. Com o irídio, conseguimos obter o butanol e, com o ródio, o metanol e o etanol. Com estes catalisadores obtivemos uma seletividade para butanol acima dos 90%.”
Outra condição do processo é a pressão que, a princípio, não é um problema. “Trabalhamos a 40o C numa pressão de 280 bar. Mas a pressão não é um problema para a indústria, pelo menos para a Shell, com quem temos contato mais estreito por conta do RCGI. Temperatura é um problema porque o custo é alto, entre outras coisas. Mas, pressão, neste caso não é.”
Produtos e processos – De acordo com Vidinha, há algumas dezenas de compostos que podem ser obtidos somente a partir do CO2.
“Mas, se pensarmos em partir de outra molécula e incorporar o CO2, pode haver centenas de reações diferentes. Podemos ter iniciativas de carbon storage, quando o CO2 é introduzido em outra molécula, mas também de carbon utilization, quando essa molécula é utilizada para alguma coisa.”
Ele cita o isopropanol, o butanol, o, o ácido fórmico, o ácido acético, entre outros, como produtos que têm valor de mercado e podem ser obtidos a partir do CO2. “Os produtos mais valiosos seriam o butanol, ou outros álcoois de cadeia longa… Quanto maior o número de átomos de carbono, melhor. Ou poderíamos pensar em fazer uma reação de Fischer Tropsch diretamente do CO2 (com CO2 e H2), e produzir uma gasolina verde.” No processo de Fischer Tropsch, usa-se um catalisador para converter gás de síntese (CO e H2) em hidrocarbonetos líquidos.
Segundo o químico, essa “gasolina verde” seria muito mais interessante ambientalmente se esse H2 viesse de uma fonte renovável como a água, por exemplo, apesar do hidrogênio obtido a partir da eletrólise da água ser caro. “Agora, se o H2 vier de fontes fósseis, como o gás natural, talvez não faça muito sentido. Temos de olhar o processo de modo integrado. Não é só obter o produto ou conseguir a reação. É verificar a sustentabilidade de toda a cadeia. Penso que a versão 2.0 do abatimento de CO2 deverá ser a integração de processos.”