Mas é preciso encontrar usos inovadores que promovam a eficiência energética, alertam especialistas do RCGI em evento na Fiesp.
A produção brasileira de gás natural é crescente, sobretudo depois que o pré-sal entrou em operação. Entretanto, o mercado interno não dá conta de utilizar tudo o que o País vem produzindo, especialmente porque o Brasil ainda mantém um contrato de importação de gás boliviano que se estenderá até pelo menos 2019. Em 2017, reduzimos nossas importações de LNG, mas, mesmo assim, é preciso ampliar o uso desta fonte de energia no mercado interno, sob pena de termos de antecipar soluções complexas de injeção crescente de gás nas formações rochosas offshore ou até mesmo desperdiçar o gás brasileiro em processos de flaring (ou queima em tocha).
De acordo com especialistas reunidos no workshop “Usos Inovadores do Gás Natural e Promoção da Eficiência Energética na Indústria”, que aconteceu na Fiesp no início do mês de março, o mercado industrial continua a ser um grande filão para a expansão do uso do gás no Brasil. Para que a expansão do consumo industrial de gás aconteça é preciso que a indústria, principalmente em São Paulo, saia de sua recessão e volte a crescer. Além disso, os pesquisadores propõem que usos inovadores do gás sejam explorados e, para tal, sugere-se que o Estado de São Paulo tire proveito dos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs), como instrumentos de desenvolvimento estratégico e energético.
Organizado pela Associação Brasileira pela Conformidade e Eficiência de Instalações (Abrinstal), com apoio conjunto da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e da Comgás, e pelo Fapesp-SHELL Research Centre for Gas Innovation (RCGI), o workshop apresentou os resultados de um projeto de pesquisa que se propôs a encontrar usos inovadores para o gás natural em três setores da indústria: ferramenteiro, metalomecânico e de transformados plásticos.
[custom_blockquote style=”green”] “Como qualquer outro energético, o consumo industrial de gás flutua de acordo com a economia do país. E ele hoje vive o dramático efeito da nossa situação econômica: são dois anos seguidos de queda de mais de 3% no PIB nacional. A economia brasileira nunca encolheu tanto e isso tem consequências do ponto de vista do consumo de energia”, afirma Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE) e pesquisador do RCGI. “Porém, em nossos estudos, apontamos igualmente que há questões mais estruturais e mais pontuais no mercado do gás. Há oportunidades tecnológicas que ainda são pouco exploradas no Brasil e em São Paulo”, complementa o professor. [/custom_blockquote]
De acordo com Alberto Fossa, diretor executivo da ABRINSTAL e pesquisador coordenador do Projeto 22 do RCGI, as preocupações conjunturais não são as mais importantes, ao menos dentro do escopo do projeto em questão. “A economia vai se recuperando com o início de um novo ciclo de crescimento e o mercado convencional de gás natural será retomado. O que mais nos preocupa é que tais consumos convencionais, no médio e longo prazo, são insuficientes para dar conta da produção offshore crescente com a entrada do pré-sal. A produção tem se intensificado muito e o consumo histórico brasileiro é insuficiente para absorver tal produção. Por outro lado, é pouco provável que venhamos a nos transformar, ao menos nos próximos dez anos, em exportadores. Não parecemos ter uma vocação competitiva para exportar o gás. Precisamos encontrar usos domésticos inteligentes, inovadores e eficientes para ele”, sentencia.
Para se ter uma ideia da situação, São Paulo passou, em menos de dez anos, de importador absoluto de gás a um Estado autossuficiente na produção de gás. Em nossa escala nacional, a revolução que se presencia em São Paulo equivale àquela que se observa nos mercados gasíferos globais. Enquanto o mundo se preparava para exportar GNL para os Estados Unidos, os norte-americanos, com políticas consistentes e adoção de muita tecnologia, tiraram proveito de uma situação econômica favorável e expandiram sua própria produção de gás natural não convencional. Em menos de 10 anos, os EUA transformaram-se de possíveis importadores a potenciais exportadores de gás, transformando completamente a geopolítica global do gás natural.
“Resolver os problemas de São Paulo pode ser uma boa lição de casa para o Brasil”, resumiu Dirceu Abrahão, subsecretário de Petróleo e Gás do Estado de São Paulo. “A introdução do gás natural na matriz energética paulista é importante em vários aspectos e já vem sendo tentada há alguns anos. A princípio, a dificuldade de inserção deu-se em períodos nos quais se tinha dúvida sobre a continuidade do abastecimento. Partiu-se para a importação, o que gerou uma certa instabilidade, mas acho que a realidade atual – e já há alguns anos – vem mostrando que esse suprimento é cada vez mais seguro.”
De acordo com Carlos Lara, gerente de Eficiência Tecnológica e Operacional da Comgás, a empresa hoje distribui gás para os principais segmentos da indústria paulista. “Atendemos mais de mil indústrias, que representam 66% do volume de gás que distribuímos. Estamos nos principais segmentos: químico, cerâmico, metalúrgico, siderúrgico… Além da indústria, também distribuímos para as residências, o comércio e o setor veicular (GNV).”
Moutinho lembra que antes mesmo da crise, o mercado de gás industrial já se encontrava estagnado. “A estagnação dos últimos sete anos já nos mostrava a necessidade de abrir novas janelas, propor novos usos no próprio mercado industrial. Solucionar este desafio é um problema estadual e nacional. Contudo, mais do que um problema, estamos, na verdade, vislumbrando estratégias para nos beneficiarmos de uma grande oportunidade para São Paulo e o Brasil. O uso mais intenso e inovador do gás natural permitirá ao país avançar em seus padrões de competitividade industrial, bem como em termos de sustentabilidade energética e ambiental. Sim, não se trata de estratégias triviais, pois, além do acesso a tecnologias e a recursos financeiros de longo prazo, incrementar o uso do gás no Brasil envolve igualmente dimensões logísticas, energéticas, ambientais para a execução de uma política pública coerente.”
Usos inovadores – Moutinho destaca a organização da indústria paulista em APLs e afirma que tiramos pouco proveito dessa forma de organização. “APLs são arranjos produtivos constituídos por atores econômicos, políticos e sociais localizados em uma mesma região. Entendemos que, focando no conceito de APLs, um novo ciclo de crescimento de consumo de gás natural na indústria paulista é factível, mas é preciso enfrentar barreiras econômicas, tecnológicas e socioculturais. A vantagem de se pensar em arranjos produtivos é a busca de sinergia, sobretudo para as distribuidoras, como a Comgás. Trata-se de mudar o foco de fornecer a uma única empresa/cliente, para fornecer a um setor, que inclui empresas parceiras e no qual as tecnologias, a informação e as boas práticas podem se espalhar com mais facilidade.” Levando-se em conta os APLs e os usos inovadores do gás no setor industrial, diz ele, é possível que o gás desempenhe um papel importante no ganho de competitividade da indústria nacional.
Alexandre Gallo, pesquisador do IEE e do RCGI, mapeou os usos inovadores que o gás natural pode ter nos três setores estudados. Para isso, fez uma avaliação do uso final de energia nesses setores industriais. “No setor de transformados plásticos a demanda térmica (aquecimento e refrigeração) responde por, aproximadamente 30% do uso de energia, enquanto a demanda por força motriz responde por 60%. No setor metalomecânico, a demanda térmica (aquecimento) perfaz 60% a 70% do uso energético, e a demanda por força motriz responde por 30% a 40%. E no setor de ferramentaria, a demanda térmica (refrigeração) é menor ou igual a 15%, enquanto que a demanda por força motriz é menor ou igual a 70%”, diagnostica.
“É importante olhar a demanda térmica nos dois tipos de processo – aquecimento e refrigeração – em que há diversas soluções elétricas, presentes na indústria, que poderiam ser substituídas por soluções a gás. Também é interessante observar a força motriz em conjunto com a necessidade de demanda térmica. Eu me debrucei sobre a ideia de oportunidades integradas: olhar a planta de uma indústria – ou o próprio APL – e entender de que forma integrada as demandas energéticas podem ser atendidas. ”
No setor de transformados plásticos, por exemplo, ele vê possibilidades tanto em atividades localizadas quanto em propostas de integração. “A adoção de um sistema de aquecimento central, por exemplo, permite o atendimento de demandas térmicas substituindo unidades pontuais por uma estrutura de distribuição a partir da central. Outra proposta é a utilização de queimadores radiantes movidos a gás natural em vez de energia elétrica – oportunidade igualmente identificada na indústria metalomecânica. E também a substituição dos chillers elétricos, em sistemas de refrigeração, por um sistema de ciclo de absorção, movido a gás.
Com relação à integração, uma das possibilidades está o uso de motores a gás natural para acionar compressores de ar, com recuperação de calor. Em vez de acionar geradores elétricos e depois alimentar chillers elétricos, a ideia é fazer uso do gás comprimido para atender às demandas de força motriz e o calor recuperado dos motores suprirá os sistemas de refrigeração. ”
O uso do gás comprimido também é aventado no complexo industrial ferramenteiro, no qual a demanda por refrigeração é majoritariamente atendida por chillers elétricos. Gallo acrescenta que, embora esses processos possam ser mais eficientes em termos de aproveitamento e uso da energia, e ao final resultem em economia para o empresário, não se percebe ainda uma grande migração de sistemas elétricos para sistemas a gás. “O principal obstáculo é o custo de capital desfavorável. O cenário está se revertendo um pouco agora, mas o custo de capital elevado desmotiva investimentos. Principalmente quando o investimento é em uma planta que já existe e terá de ser convertida. Quando se trata de uma planta nova, é mais factível.”