No Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural (RCGI), cientistas desenvolvem dois métodos inovadores para separar fisicamente o dióxido de carbono (CO2) do metano (CH4).
O principal componente do gás natural é o metano. O restante é composto por outros hidrocarbonetos – como o etano, o propano ou o butano – ou ainda gases, como o CO2. No geral, assume-se que o metano responda por algo em torno de 80% do gás, mas essa composição varia muito de acordo com a fonte a partir da qual é obtido. Há poços em que o teor de CO2 é de 50%, inclusive poços do pré-sal, o que exige uma “limpeza” do gás para uso, já que o componente que interessa é o CH4. Além do mais, o mundo firmou compromissos de redução de emissões em Paris, na última Conferência do Clima, o que torna ainda mais relevante os processos de separação do CO2 contido no gás natural e o seu gerenciamento.
Uma das maneiras de lidar com esse problema é separar fisicamente o CO2 do gás natural. Um grupo de cientistas do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural (Research Centre for Gas Innovation – RCGI na sigla em inglês), liderado pelo professor José Carlos Mierzwa, da Escola Politécnica da USP, estuda dois dispositivos para este fim: uma membrana cerâmica e um separador supersônico, no qual o gás é injetado em alta pressão e desenvolve velocidade próxima à do som antes da retirada do CO2.
“No caso das membranas, estamos falando em uma filtragem em escala molecular. É uma espécie de peneira molecular, sendo que as membranas têm um diâmetro que deixa passar o CO2, mas não os outros componentes presentes no gás natural. Para produzir um módulo de separação, diversas membranas são arranjadas na forma de um feixe o qual é inserido no centro de um tubo de aço que tem, em cima, uma saída para o CO2. O gás, ‘limpo’, sai na outra ponta”, explica Mierzwa.
Segundo ele, essa tecnologia já vem sendo testada por algumas grandes do setor do óleo e do gás, incluindo a Shell, mas a maioria trabalha com membranas poliméricas. “Optamos por trabalhar com membranas cerâmicas porque elas permitem operar em temperaturas mais altas com menor risco de degradação. Entre os materiais que conhecemos por pesquisas que estão sendo feitas, os cerâmicos são os que têm maior capacidade de separação e maior eficiência para este fim.”
Embora a tecnologia já esteja sendo estudada, ainda não foi desenvolvida para aplicação prática. Assim, algumas questões de primeira ordem deverão ser endereçadas pelo grupo – que inclui, ainda, mais dois professores, um aluno de pós-doc e três de iniciação científica.
“A primeira pergunta é: quanto de CO2 conseguiremos separar por área de membrana, em determinada unidade de tempo? Essa resposta, correlacionada à uma análise prévia do gás que se quer purificar, pela qual se conhece a porcentagem de CO2 que ele contém, permitirá saber o número de módulos necessários para filtrar o gás em diferentes níveis de ocorrência de CO2. De antemão, sabemos que quanto mais CO2 o gás contiver, maior será a área de membrana necessária para filtrá-lo. Mas temos que determinar experimentalmente a capacidade de separação dessas membranas. Em alguns casos, é possível que seja necessário um número maior de estágios para limpar totalmente o gás, ou seja: passá-lo por diversos módulos.”
Ao final dos cinco anos de duração do projeto, Mierzwa e sua equipe devem entregar o protótipo de um módulo de separação, testado e otimizado.
Separador supersônico – Outra maneira aventada pelo professor e sua equipe é separar o CO2 usando propriedades termodinâmicas dos gases, por meio de um dispositivo em que o dióxido de carbono é condensado.
“Quando o gás expande, ele resfria. Então, se tivermos uma grande diferença de pressão entre os dois lados do equipamento, a temperatura do gás vai cair bastante enquanto ele estiver passando. O objetivo aqui é promover uma variação de pressão do gás que permita alcançar uma temperatura em que apenas o CO2 seja condensado, já que sua temperatura de condensação é maior que a do metano e de outros gases que possam ocorrer na composição. Então, podemos separá-lo.”
Para isso, os cientistas projetaram um separador em forma tubular, com a entrada pouco mais estreita que a saída e um pequeno estreitamento no caminho, que faz com que o gás perca energia de pressão e ganhe energia de velocidade, expandindo-se e provocando queda de temperatura – e a consequente condensação do CO2. Segundo Mierzwa, a ideia é manipular essas variáveis, à luz das propriedades termodinâmicas dos gases, até que se encontre o ponto da temperatura de condensação do CO2. O gás deve entrar no separador a uma pressão de cem vezes a pressão atmosférica e o processo se dará em velocidade próxima à do som. “Ele deverá ter temperatura inicial de 14°C e sair do separador a algo em torno de – 80°C a – 40° C. Mas ainda vamos simular em computador esses valores, antes de nos lançarmos à construção de um protótipo.”
O professor explica que o desafio, neste caso, é tirar o CO2 líquido dali. “Primeiro, temos de pensar em um escoadouro. Estamos imaginando um purgador termodinâmico, cuja remoção do CO2 condensado se dará a cada vez que o volume do líquido empurrar para cima um dispositivo móvel, flutuador, que estará tampando a saída. Depois, estamos falando em um processo realizado em altíssima velocidade, durante o qual há uma redução de pressão e logo depois uma recuperação de pressão, no próprio sistema. Eu tenho de tirar o gás no intervalo de tempo em que a pressão está reduzida, o que é contabilizado em nanosegundos. Nossa ideia é que o gás entre no dispositivo já com um movimento rotacional, permitindo, assim, que a força centrífuga mova o CO2 líquido para as paredes do equipamento, de onde é mais fácil coletá-lo.”
Ao final do projeto, o grupo de engenheiros deverá entregar uma modelagem fluidodinâmica, feita em conjunto com os integrantes de outro projeto do RCGI, um protótipo do separador e também de todo o sistema de separação, que inclui ainda um compressor de gás e um purificador. Isso porque, tanto no caso do separador quanto no das membranas, o gás terá de passar, antes da separação, por um processo de pré-tratamento para retirada de água e H2S (gás sulfídrico). “É preciso remover a umidade e os gases ácidos, que atrapalham os processos e podem deteriorar os equipamentos.”
Mierzwa ressalta que este projeto tem interface com diversos outros da carteira do RCGI, ao todo 29. “Há um projeto sobre biometano, coordenado pela professora Suani Teixeira Coelho, para o qual essa tecnologia de separação deverá contribuir. Ela já demonstrou interesse.”